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domingo, 24 de maio de 2020

CASOS DA VIDA... A VIDA COMO ELA É!... A DESPEDIDA

DESPEDIDA

Hoje é dia 23/05/2020. 
O Brasil 🇧🇷 sofre perdas diárias de mais de mil vidas, pessoas, cada uma com sua história e uma rede de corações entrelaçados a si, a chorarem-lhe a partida, tantas vezes repentina.
Cheguei à casa após mais uma noite de trabalho à beira do leito de uma doença eminentemente solitária. E penso sobre o provável adeus que possibilitei a uma mãe para sua única filha. 
Negra, 50 anos, 3 dias de evolução. Pulmões tomados pela doença. Lúcida, tentando se manter viva sob uma máscara de oxigênio. Sozinha num quarto branco de uma UTI. Rodeada de desconhecidos, mascarados, envelopados, escondidos atrás de acrílico e TNT. Que iria na sua alma naquele momento de crise? Aproximei-me para lhe contar o que se passaria ali. 
- “A senhora está muito cansada, os seus pulmões estão muito doentes, precisarei pô-la para dormir e deixar o respirador fazer o trabalho duro de respirar pela senhora”. 
- “É mesmo necessário, doutor?” - olhou-me com lágrimas nos olhos. 
- “É, minha querida... “ - disse-lhe ao apertar sua mão e sentir-lhe a dor íntima quase como se fosse também minha. 
- “Tenho medo...” - e suspirou. 
- “Tenha fé e paciência...” - tentei consolá-la. 
- “Por quanto tempo?” - meu peito se franziu e enregelou com aquela pergunta...
- “Não sabemos, mas quando a senhora melhorar, iremos acordá-la... “ - talvez nunca mais acorde entre nós... 

Após, ao pensar na dor, no medo, na solidão infinita daquele ser humano, igual a mim, frágil, vulnerável, decidi usar meu celular para uma chamada de vídeo para sua filha. É cruel não permitir às pessoas que se amam uma despedida!
Agora, digito com olhos marejados ao lembrar da minha mãe que se foi de repente também, há 20 anos atrás, sem que pudesse me despedir dela... é meu dever humanitário, acima do meu papel de médico, “consolar sempre”, como jurei há 13 anos atrás.
Liguei para a filha. Estava acompanhada de uma prima. 
- “Cuide dela pra mim, Ana!”
- “Mãe, eu estou bem, a senhora precisa se ocupar em se recuperar!”
- “Rezem por mim!” - disse chorando. 
Afaguei-lhe a fronte com ternura, apertei sua mão. A Medicina na Terra ainda não a pode curar, pensei, mas se tão pouco minha ciência pode lhe oferecer agora, minha fé, meu coração, minha alma pode lhe dar o remédio que nunca deverá faltar na prescrição de nenhum médico - o Amor. 
- “Tenha fé, minha querida. Estou aqui, do seu lado, dividindo essa dor com você... preocupe-se em respirar. Vai passar”.
Ali, não poderia chorar, precisava dar-lhe força. Mas aqui, no silêncio do quarto, posso dar vazão à angústia e chorar. 
Talvez nunca mais a veja. Ela sabe que não irá resistir. Extremamente grave, suas chances de sobrevivência são provavelmente pequenas. 
Como não se emocionar diante da morte de alguém? Como não refletir profundamente sobre a razão de nossa existência? Como esquecer-me da minha humanidade nesse momento? 
A Medicina tem me feito um ser humano melhor. 
Que esse texto inspire a mais colegas e outros companheiros de lida na área da Saúde a proporcionarem mais humanismo e pessoalismo no cuidado com os doentes graves.
Não é mais um doente. É uma vida, única, um sopro de Deus, que por aqui passa e nos pede, acima de todo o empenho técnico, aquilo que tantas vezes nos esquecemos ou negamos a dar - atenção, carinho, respeito, consolo. 
Que Deus nos ampare.

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